quinta-feira, 2 de junho de 2011

Crítica publicada por Paulo Martins, produzida por Candido.


   Manoel Antônio Álvares de Azevedo, nas palavras de Antonio Candido na Formação da Literatura Brasileira, é, dentre os poetas românticos, aquele “que não podemos apreciar moderadamente: ou nos apegamos à sua obra, passando por sobre defeitos e limitações que a deformam, ou a rejeitamos com veemência, rejeitando a magia que dela emana. Talvez por ter sido um caso de notável possibilidade artística sem a correspondente oportunidade ou capacidade de realização, temos de nos identificar ao seu espírito para aceitar o que escreveu”.A afirmativa de Candido, de certa forma, pode ser considerada a síntese de parte da crítica literária brasileira que leu os poetas românticos e, especificamente, Álvares de Azevedo sob o recorte da uma psicoestilística. Transfere essa crítica aspectos psicológicos do autor, ou melhor, do sujeito da enunciação poética para caracterizar a produção. Assim observada, esta poesia se impregna de conceitos psicológicos que poderiam ou não ser atribuídos ao autor. Logo, temos ao percorrer nossos mestres, a impressão que a leitura dos textos românticos antes de tudo deve observar os aspectos pessoais de afinidade e de empatia, não devendo ser norteada por uma “Paidéia” que está na base do estudo da crítica que se preocupa com produção do texto. Sob aquele aspecto, ecoam algumas proposições como: Álvares de Azevedo foi “um homem de imaginação doentia”. Destarte, ele foi (in) devidamente “etiquetado” de devasso, depravado, incestuoso, angelical, homossexual, casto, ingênuo, etc.
Em rodapé do prefácio ao livro, João Hansen propõe, observando Mário de Andrade, falando de Maneco de Azevedo: “Fazer psicanálise de supostos sintomas de supostas neuroses de personagens é só verossímil, porque metaforização de discursos psicanalíticos tidos como ‘verdadeiros’ quando aplicados a sujeitos históricos empíricos. Seres de papel são puramente funcionais, não são passíveis de juízos de existência, desconhecem o real desejo etc.” Poderíamos atribuir tal imprecisão técnica da crítica brasileira à suposição de que, por ser um momento de ruptura inquestionável, o romantismo, ao contrário de momentos anteriores ao século XIX, carece de preceptivas que instaurem procedimento, e, nesse sentido, o que se pode dizer acerca dessa produção, está limitado aos sentimentos pessoais, ao prazer do gosto e ao gênio poético, elementos subjetivos que desconsideram a prática poética no seu sentido original, primevo. Afinal, o poeîn, mesmo para os românticos, não havia morrido, como, seguramente, para nós, pós-românticos, ou melhor, pós - tudo não morreu.
Contudo, o romântico efetiva-se como poética pela substituição de uma retórica clássica (greco-latina), que prevê uma elocução subjetivada, onde há espaço programático para o discurso personalizado, genericamente tomado, pela prática que entende a forma como “reflexão da própria essência”, “auto-reflexão infinita”, logo uma retórica que é essencialmente subjetivação da elocução. Este projeto passa, por conseguinte, pela invisibilidade do artifício. A crítica entendeu, portanto, este deslocamento retórico como rejeição de projeto retórico, instituindo a negatividade do procedimento como mera ausência de protocolo regularizador da ordem poética, e, conseqüentemente, atribui à obra de Álvares de Azevedo inépcia em certos momentos. Em suma, entendeu, equivocadamente, certa crítica “romântica” os próprios românticos.
Observe-se ainda Candido ao falar da “poesia” de Álvares: “mistura a ternura casimiriana e nítidos traços de perversidade; desejo de afirmar e submisso temor de menino amedrontado; rebeldia de sentidos, que leva duma parte à extrema idealização da mulher e, de outra, à lubricidade que a degrada”. Dessa forma, a crítica literária até hoje muito nos apontou muito sobre suas “psicopatologias” e pouco nos ajudou na leitura, tendo em vista os aspectos estéticos, que devem, mormente para a produção do século do mal, ser analisados com muito vagar. Os desacertos de leitura da obra de Álvares de Azevedo, segundo a pesquisadora, tendo em vista o código poético do autor, se verificam pela inobservância de quatro características basilares da “Paidéia” romântica que circunscrevem a poética da sublimidade, típica do romantismo: um sistema dual, a ascese anímica, a infinitude do texto e o matiz byroniano.
Observa o autor que a poesia de Álvares de Azevedo subdivide-se em dois momentos. Um primeiro que visa a “dissolver as contradições da cultura procurando unificar a alma num reino transcendental, cantando a fé e a esperança numa civilização ideal”. E um segundo que efetiva um rompimento com o mundo de cultura a partir de uma “adoção de valores e formas de vida condenados pela moralidade vigente”, instaurando consciência lírica céptica que refuta a imortalidade da alma. Estes dois momentos, quando sobrepostos no terreno da criação poética, correspondem a códigos poéticos próprios. Nesse sentido, quando as poesias visam à transcendência, apresentam metáforas vagas e indefinidas que retratam certa espiritualidade e, quando expressam a vida marginal, observam um código de insatisfação que dialoga com os rumos da cultura, mediante a exploração da vida material e sensível.
Essa desigualdade binômia caracteriza proposta romântica de entender a poesia como tarefa progressiva ou infinita que objetiva a aproximação entre o mundo divino e o mundo terreno, mediada pelo eu artístico, singular e genial.

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